quarta-feira, 10 de julho de 2013

Núcleo Programático



  A PALAVRA



    Noções teóricas básicas.
    1. Introdução
A palavra contém dois elementos: o significante e o significado. A palavra é o signo mais importante usado pelo homem para se comunicar, embora usemos vários outros signos como sinais, gestos, cores, sons,....

Ex. SIGNIFICANTE                    SIGNIFICADO
     C                                          Crânio........O acidente quebrou sua cabeça
        A                                       memória.....Não me sai da cabeça o seu nome
             B                                  de cor..........Disse de cabeça todo o discurso
                 E                               chefe.......... Ele é o cabeça da classe
                    Ç                            ponta..........Ele machucou a cabeça do dedo
                       A
             
1.1.Cabeça: sentido denotativo:............. sentido  original, usual= crânio
1.2.Cabeça: sentido conotativo: com significado novo= memória, de cor, chefe, ponta;  
      O sentido conotativo vem a ser o sentido criado pelo contexto, pelo referente, que é  a   relação motivada no   próprio  texto ou pela intertextualidade. 
      Assim: cabeça -tem o sentido literal(próprio) que é o uso comum da palavra  e                     tem o sentido conotativo, quando o significado original é ampliado ou                       alterado  em razão do contexto, das possibilidades do campo semântico                          subjacentes a ela, e da  situação comunicativa..
     A intenção e a situação  comunicativa é que determinam se a palavra vai ser usada no sentido literal, normal, ou no sentido conotativo(contexto)
1.3.A palavra tem, também, sentido  polissêmico e sentido  figurado, metafórico.
O sentido polissêmico é diferente da associação figurativa, metafórica.
       1.3.1.Sentido polissêmico é quando  a palavra já incorporou normalmente  os sentidos diferentes;  a relação de uso é que determina “automaticamente” o sentido.
. Ex. ponto a)sinal gráfico( Ele fez o ponto no final da frase);
                  b) costura(Ela deu um ponto na barra da calça; Levou dois pontos na cabeça)
                  c) lugar de pegar ônibus( Que ônibus para neste ponto?).
        1.3.2. O sentido figurado, metafórico  (contexto+ associações que aproveitam, ampliam para  outras possibilidades de sentidos) é  quando uma palavra , cujo significado é aparentemente claro, mas  num determinado contexto e determinada  associação, assume outros sentidos,  que precisam ser desvendados  pela reserva cultural de quem a lê.
                  Ex. a palavra FOGO. Num contexto, FOGO  poderá  ser associado a SOL, VERÃO, CALOR, noutro,  à VIDA. Dependendo do  contexto, alguns leitores, poderão associá-lo a AMOR,PAIXÃO,CIÚME ; outros, a GUERRA,LUTA,REVOLUÇÃO.
                   Isto significa que o sentido figurado é a exploração das potencialidades da palavra; e que esta não é automática, depende do leitor, ou seja, precisa de mediador que é aquele construirá a relação, a associação  de sentido.
                 Esses mediadores ( leitores),  farão vir  à tona o estranhamento, os sentimentos, sensações possíveis ou inusitadas que poderão se sobressair. É uma  busca do subtendido que pode ser justificado, mas nunca definido com exatidão. Há uma  palavra,  rica em  significação, com novas dimensões, que surge  abrindo  outros  caminhos possíveis, diante das  “pistas” sugeridas pelo autor consciente ou inconscientemente. Estas novas significações não são automáticas; elas requerem um leitor ativo, possuidor de bagagem cultural para  percebê-las, desvendá-las e reorganizá-las.


2.PALAVRA no texto : conhecimento  prévio para uma  aplicação prática.
      Primeiro passo   é  observar como foi feito o agrupamento das palavras no texto..    
      Depois, identificar se   há uma lógica entre as  palavras e a apresentação “ do mundo”; seja aperfeiçoando o sentido, seja ampliando  o poder expressivo do texto.
       Em resumo, como base teórica acerca das palavras ,deve-se partir do seguinte: as palavras estão constituídas em  dois agrupamentos básicos: o do nome e o do verbo.
       Fazem parte do agrupamento nominal os substantivos, os pronomes, os adjetivos e os artigos); fazem parte do agrupamento verbal , o verbo e o advérbio que a ele se refere.
1)FORMAS NOMINAIS( substantivos, adjetivo, pronome e artigo) sendo que o substantivo indica, representa , nomeia os seres.
O ADJETIVO revela as propriedades(características )dos seres ; revela os  contornos, os matizes diferentes que interferem no alcance do sentido  pretendido pelo nome , quer limitando, ampliando ou fazendo  um cruzamento com o “eu” do emissor. Ou seja,  estabelece a aproximação  do ser “ externo”, à visão do “eu” interno..
O  PRONOME   substitui o nome; pode indicar maior proximidade  ou distanciamento com o nome. O pronome também  informa o emprego  da  linguagem coloquial
 O ARTIGO  vem dar caráter de precisão, nitidez  ou , caráter de ambiguidade ao substantivo a que se refere.. 

2) FORMAS VERBAIS  indicam ações, estados ou fenômenos. Verbo é  a palavra que se conjuga no ontem, no hoje e no amanhã; estabelecendo com o sujeito uma relação ativa, passiva ou reflexiva.
2.1.O USO DO VERBO  NA VOZ ATIVA  indica que   o sujeito realiza a ação, na VOZ PASSIVA  o sujeito recebe a ação produzida por outro( ele se torna um objeto passivo); na VOZ REFLEXIVA (forma-se um círculo) o sujeito produz e recebe a ação, pois, ao mesmo tempo, é sujeito e objeto.

2.2.O MODO VERBAL  no :   indicativo(exprime fato real, certo); no subjuntivo(exprime fato possível, hipotético, dependente de outro);no imperativo(exprime ordem, proibição, pedido, convite, conselho);
Obs. FORMAS NOMINAIS DO VERBO não dão prioridade   ao sujeito, à pessoa gramatical, e são elas:   gerúndio, infinitivo, particípio.
 No PARTICÍPIO não há o dinamismo da ação e sim o reforço de fato concluído no  passado; no GERÚNDIO há  reforço da  ideia de modo, de duração de um eterno retorno, de continuidade paulatina; no INFINITIVO  impessoal há a ausência explícita do sujeito, o que se quer é apresentar o ser, o objeto, o fato de maneira estática, ao infinito.
2.3.OS TEMPOS  verbais fixam o momento, a duração  do fato, dos sentimentos em relação ao emissor.
       NO TEMPO PRESENTE   o fato ocorre simultâneo ao ato da fala ( se esta simultaneidade  for empregada para tornar mais real o fato que já ocorreu no passado ou que ocorrerá no futuro, temos o chamado PRESENTE HISTÓRICO, c.p.ex.A Branca de Neve entra e dorme na cama dos anõezinhos; Eu vou, eu preciso descansar nas férias que vêm.
         OS PRETÉRITOS, dada a sua variedade(perfeito, imperfeito,  mais-que-perfeito) apresentam possibilidades de sentidos diferentes.
 O PRETÉRITO PERFEITO ( amou) determina que  o fato já se realizou efetivamente, sendo   hoje  possível  ver  o fato finalizado  que ficou definitivamente no passado; o PRETÉRITO IMPERFEITO (amava) estabelece outra variante para o fato que não fica definitivamente no passado, pois ainda hoje se mantém vivo, ainda hoje  mantém sua trajetória pela contínua evocação impregnada  de  subjetividade e afetividade, deixando aberta as possibilidades de seu prolongamento no presente; o PRETÉRITO MAIS QUE PERFEITO ( amara) é aquele que  expressa um fato duplamente passado,  graduado cronologicamente por meio de outros passados, dando um sentido de maior distância , tornando mais remoto ainda o fato.Ex.Amara as ruínas do amor que já tinha ido embora; Era uma vez....... 

Com o FUTURO. Há um presente  em que o emissor  está , e um acontecimento que irá se realizar, com maior ou menor grau de distanciamento, envolvimento deste emissor.
Se estiver apenas, de forma neutra, se referindo  a uma ação que se realizará depois do momento atual, temos o futuro( amará); se,  ao invés, o futuro  é uma afirmação revestida de caráter de hipótese provável( se me amará, não sei), aqui já se admite a inclusão da intenção, subjetividade de quem fala. Por sua vez, se houver o  futuro( Aonde você for, amará com egoísmo)  usado sem distanciamento, com valor de imperativo, com valor de constatação, urgência, conselho, está-se diante de um verbo   vinculado a sentimento, vinculado à emoção em relação ao que virá.









3. PROPOSTA DE LEITURA DO POEMA



                         CANÇÃO
                                   Autora:  Cecília Meireles(1901-1964)

Pus o meu sonho num navio
E o navio em cima do mar;
-depois, abri o mar com as mãos,
Para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
Do azul das ondas entreabertas,
E a cor que escorre dos meus dedos
Colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
A noite se curva de frio;
Debaixo da água vai morrendo
Meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
Para fazer com que o mar cresça,
E o meu navio chegue ao fundo
E o meu sonho desapareça.

Depois tudo estará perfeito:
Praia lisa, águas ordenadas,
Meus sonhos secos como pedras
E as minhas duas mãos quebradas.
                        ( MEIRELLES, Cecília . Viagem, 1939)

No poema CANÇÃO de Cecília Meireles, há o seguinte eixo  de distribuição:
1.ª  estrofe: área do nome:  sonho, navio/  navio / mar / mar /  mãos/  sonho (destaque-se o possessivo: meu). Na área do verbo: pus; abri; naufragar
                        Nesta estrofe  a autora estabelece, por meio da primeira pessoa dos verbos e dos pronomes, que o eu-lírico está “dentro” do poema ; ele  se mostra e se posiciona de forma clara.  Ao por o “sonho no navio” , a  autora fixa o “estranhamento”,  vindo, a partir daí,  a exigência de o leitor ampliar as possibilidades de sentido, pois se está diante de linguagem figurada, metafórica..
 Então, lançando mão de sua reserva cultural, o leitor  passa a identificar as possíveis   associações  na estrofe:  o “sonho” como sendo a   vivência interior [ carregada de notas  subjetivas e afetivas]; “mãos” como  sinédoque, a parte significando  todo , ou seja, o ser, o eu-lírico  lírico   se pondo por inteiro no “ navio” que tanto pode ser um  receptáculo inanimado, quanto um receptor  em quem foram depositadas as  esperanças de viver com infinidade  como o “ mar”
Mas as “mãos”, todo o  seu ser  embarcou e remou(“abrindo o mar”)desafiando  os malogros  provocados por um velejador desafortunado(“ naufragar”)
Assim, “mãos” representa a eclusa por onde flui o “sonho” do  mundo interior para o exterior; a metáfora “navio”  representa o “ outro” , o depositário de seu sonho por inteiro ; o” mar”  , vem a ser   a perspectiva imensa ( de viver o sonho com o outro).

A partir do passo inicial percorrido, chega-se à 2.ª estrofe, onde há a reduplicação do mesmo campo semântico descrito na estrofe anterior. Entretanto, há uma transição para o microcosmo. Do “ mar”, ficam as “ondas” e a sensação de cor e umidade;   das “mãos”, ficam os “ dedos” .
“ E a cor que escorre dos meus dedos/Colore as areias desertas” identifica que ainda  perdura o esforço  aguerrido do eu-lírico em continuar, mesmo que precise  investir colorindo  as  areias desertas, desabitadas, áridas que se lhe apresentam. Mesmo diante de uma realidade restrita,  ainda existe a cor daquele mar.

Na 3.ª estrofe há o aniquilamento,  o eu-lírico fica  incapaz  de fazer frente ao” “ vento(que) vem vindo de longe” significando que de forma insidiosa, contínua  e insistente a triste realidade  foi se instaurando no seu ser e destruindo o sonho.
Instaura-se, a partir de então, “a  escuridão da noite” e “o frio”, a higidez  que  faz com que se entregue, sem qualquer resquício de “calor”, emoção, curvando-se    ao inexorável, sufocando o convívio com o outro  em quem pretendia depositar seu sonho.
Cabe ao  vento(que) vem vindo de longe” , cabe a esta força de circunstância aleatória,  que não se determina  de onde vem, pois é “de longe” , mas que existe de forma contínua, incontrolável,   agredir o seu “sonho” , até  fazê-lo ir ao fundo..
O navio depositário da   bagagem   que era seu  sonho , de sua  individualidade ,   agora vem a ser o esquife  em que  se fará o sepultamento do mesmo sonho.

Nas 4.ª e 5.ª estrofes  O eu-lírico se propõe a estancar seu sofrimento. As “águas”; o “mar” que antes eram amplos, agora vinculam-se às próprias lágrimas, ao seu íntimo. Há a supressão de toda e qualquer perspectiva de realização, logo, quer amainar o seu interior, determinando-se a asfixiar  no fundo de si qualquer emoção que pudesse vir  de outrem , bem como  soterrando todo e qualquer sonho  que possa ter sobrevivido.
                         Depois de sepultadas todas as possibilidades de viver o sonho haverá a inércia da resignação, da aparente perfeição “depois tudo estará perfeito, praia lisa, águas ordenadas” .
                        Será perfeição aparente  porque ficou mutilado com “ as duas mãos quebradas”.
                        Pode-se dizer que após soçobrado os sonhos, não há porque haver mãos.
                         Estar-se-á diante de um  indivíduo   desfigurado, reduzido em suas  potencialidades , submisso a um  “destino” ,  desarticulado de suas  legítimas aspirações.

                          A existência vivida na aridez  ( até mesmo de estímulo  para a criatividade interior)  é um sofrimento insidioso que leva à própria  autolimitação, que, embora não sendo  perceptível concretamente ,  demarca e impõe fronteiras  a qualquer tentativa de busca  de realização. E isso retira  o material constitutivo  da condição humana, que viverá desintegrado, aleijado como indivíduo, “ com as duas mãos quebradas”

Nenhum comentário:

Postar um comentário